terça-feira, 5 de julho de 2011

Lisboetices

A esquerda não gosta de automóveis privados: as marcas e os modelos diferenciam as pessoas pelo seu rendimento, a segurança não é a mesma em todos os veículos (em princípio quanto mais caro mais seguro), o grau de mobilidade varia com os recursos disponíveis para adquirir combustível, nem todos os cidadãos podem adquirir um automóvel... não, decididamente o automóvel é bem o símbolo das nossas sociedades inigualitárias. Depois, o automóvel polui. E o "combate" à poluição é uma bandeira que a esquerda adoptou, porque a esquerda, segundo o meio-esquecido Kundera, precisa de bandeiras para se sentir moralmente superior, e porque a poluição é uma consequência do consumo e da industrialização - precisamente aqueles fenómenos da vida moderna onde mais se evidenciou a superioridade do modelo capitalista. Depois, a pureza do homem primitivo, o sossego de uma ruralidade mítica e os malefícios da concentração e da urbanização nunca andam longe... e não só para a esquerda.

Quer dizer que estas medidas, que ficam, na opinião deste opinion maker, aquém do desejável, têm uma marca política. E não deixam de a ter por haver uma moda de pensamento (como, por exemplo, aqui) anti-automóvel privado dentro da cidade, à boleia de escolhas supostamente inevitáveis e científicas e, portanto, isentas desse maldito labéu da escolha política.

Não sou lisboeta e mal conheço a cidade. Ignoro a lógica a que obedecem estas mudanças, além da intenção óbvia de aumentar as receitas do Município e de umas piedades sobre alívio da densidade de automóveis. Sobre a bondade delas tenho reservas, não certezas. O meu ponto é que a imposição do transporte público a preços "sociais" (isto é, pago via impostos também por quem não os utiliza, e com derrapagens de custos inerentes a uma gestão em que o insucesso não é sancionado) é uma redistribuição e malbaratação de recursos; e que a multiplicação de argumentos factuais, lógicos, de senso comum, ambientais e tutti quanti não nos deve fazer esquecer que, também aqui, há escolhas políticas a fazer. Paciência.

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