Aceitei, por Amizade, o repto do João de escrever algumas palavras neste blogue na qualidade de humilde "projecto-de-fiscalista-em-permamente-formação" porque é essa a profissão que me faz levar (poucos) bifes para casa. Resolvi aproveitar o tema da falta de informação sobre as contas públicas para deixar o meu testemunho angustiante de "projecto-de-fiscalista-desinformada-sobre-o-sistema-fiscal-português."
Tudo começou por uma passagem fugaz pelo Parlamento, na qualidade de assessora técnica (e não política) de um grupo parlamentar. Na minha primeira semana de trabalho, para elaborar uma proposta sobre IRS, deparei-me desde logo com a dificuldade de não conseguir obter a informação - que julgara oficial - sobre o enquadramento estatistico e tecnico de uma questão jurídico-fiscal. Depois de dezenas de telefonemas, contactos e deslocações ao Centro de Estudos Fiscais, conclui que a informação afinal estava ao serviço do Governo, e não da oposição. Questionei os políticos sobre a minha falta de instrumento de trabalho na medida em que, sem informação, não poderia fazer oposição mas suspeito que nesse dia, me consideraram desde logo inapta para as funções, e recebi diversos olhares reprovadores da minha ingenuidade infantil.
No exercício da minha profissão este cenário repete-se vezes sem conta: nos serviços de finanças os funcionários desconhecem a legislação, temem interpretar tudo o que lhes cheire a excepção e até percebi que nem os chefes dos serviços de finanças têm um Código anotado e actualizado que possa esclarecer qualquer dúvida que surja.
Como não sou de desistir, estudei à exaustão todos os mecanismos de garantia dos contribuintes: requerimentos, reclamações, pareceres prévios vinculativos. Chumbadíssima: afinal, um Parecer pode demorar anos a sair, e até os Pareceres existentes constam de Livros pretos A4, manuscritos, sem possibilidade de busca temática, salvo as raras excepções em que os mesmos são publicados nos Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal que têm se ser comprados.
Veio o Simplex, pois veio. Mas qualquer contribuinte mais persistente sabe, ao aceder ao Portal das Finanças, que a linha de acesso telefonica quase nunca está disponivel, e, quando está, os funcionários desconhecem em absoluto os temas de natureza técnica sobre os quais são questionados.
O mesmo se passa no domínio da produção legislativa: todas as reformas - e já não são poucas - são dolorosas porque circunstanciadas, e de dificil interpretação fruto da má técnica legislativa.
Qualquer formação complementar sobre novidades legislativas, a existir, serve de palco de conferencias promocionais de sociedades e consultoras, as quais são soberbamente pagas, e por isso, a informação é apenas acessível a grandes escritórios e consultoras que curiosamente são quem as promove. As consultoras são utilizadas para assessorar os políticos que, por falta de experiencia tecnica, não sabem redigir Orçamentos de Estado, e desta forma curiosa, se negoceiam soluções legislativas que se coadunam com os interesses dos clientes a quem as consultoras prestam serviço.
O contribuinte, mal informado paga coimas, e elevadas. E a Administração Fiscal?
Curiosamente, o objectivo da Administração Fiscal de arrecadação de receitas, trabalha contra si mesma, ao manter a sociedade desinformada sobre as suas principais obrigações. A falta de informação gera incumprimento, a má interpretação gera contencioso que por seu turno entope os Tribunais e no final, o Estado presta o péssimo serviço de vender a complexidade do sistema que ele proprio criou.
Mas a complexidade do sistema fiscal não é uma inevitabilidade:
Quid pro quo:
Mobilizem os milhares de funcionários formados, criem um Departamento e ponham-nos a processar e actualizar toda a informação existente.
Publiquem, de forma gratuita e exaustiva, todos os Pareceres e orientações administrativas, e tornem-nos acessiveis de forma temática e cronológica.
Coloquem pessoal qualificado nos serviços de finanças, formem e actualizem os funcionários.
E sobretudo: responsabilizem os tecnicos pelo bom desempenho do seu trabalho.
Ao percorrer as salas do Centro de Estudos Fiscais de acesso à Biblioteca do Ministério das Finanças e constatar que as portas estavam sempre fechadas para os contribuintes que, como eu, ali passavam em busca de informação, percebi mais tarde que as portas estavam sempre fechadas porque a disponibilidade para informar implica sempre a possibilidade de dar uma informação errada.
Mas uma informação errada - porque sindicável - é sempre melhor que a falta dela. Como tudo na vida, um sistema fiscal só se torna simples se tivermos a possibilidade de entendê-lo.
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